Nos últimos anos, o entendimento sobre as doenças hepáticas relacionadas ao acúmulo de gordura no fígado avançou significativamente, levando à necessidade de uma atualização na nomenclatura e nos critérios diagnósticos. O termo “esteato-hepatite não alcoólica” (NASH/NAFLD), utilizado durante décadas, foi substituído por um novo conceito: MASLD (doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica). Essa mudança, formalizada por consensos internacionais recentes, busca refletir de maneira mais precisa a principal causa dessa condição: a síndrome metabólica.
Essa atualização não se restringe ao campo acadêmico. Ela impacta diretamente a rotina dos profissionais de saúde, especialmente daqueles que atuam em consultórios de clínica médica, endocrinologia e hepatologia. Além disso, a nova nomenclatura já começa a aparecer em questões de provas de residência médica, exigindo dos candidatos não só domínio do conteúdo tradicional, mas também das últimas diretrizes e classificações.
O objetivo deste artigo é apresentar de forma clara as principais mudanças trazidas pelo novo guideline, explicar os critérios diagnósticos atuais para MASLD e discutir como essas alterações influenciam o diagnóstico, o manejo e a abordagem dos pacientes na prática clínica.
Por que o termo mudou?
A transição de NAFLD (doença hepática gordurosa não alcoólica) e NASH (esteato-hepatite não alcoólica) para MASLD (doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica) reflete uma mudança importante na forma de compreender e abordar as doenças hepáticas relacionadas ao acúmulo de gordura no fígado.
O antigo termo “não alcoólica” partia do princípio de excluir o álcool como causa, o que acabou gerando interpretações equivocadas tanto entre profissionais de saúde quanto entre pacientes. Além disso, deixava em segundo plano a verdadeira origem do problema: as alterações metabólicas. Atualmente, sabe-se que cerca de 90% dos casos de esteatose hepática estão associados a condições como obesidade, resistência à insulina, diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia e outros componentes da síndrome metabólica.
Os consensos internacionais, especialmente o europeu, propuseram a adoção do termo MASLD para dar mais clareza à etiologia da doença. O objetivo foi afastar o foco do consumo de álcool e evidenciar o papel central das disfunções metabólicas no desenvolvimento da esteatose hepática. Isso facilita a identificação dos pacientes em risco, melhora a comunicação entre equipes multidisciplinares e evita estigmatização baseada em hábitos de vida.
A nova classificação também facilita a distinção entre pacientes que apresentam múltiplos fatores de risco, como aqueles que, além da síndrome metabólica, consomem álcool em quantidades que não justificam a classificação como doença hepática alcoólica pura. Para esses casos, foi criado o termo MetALD (doença hepática esteatótica metabólico-alcoólica).
Assim, a adoção do termo MASLD representa um avanço conceitual importante, alinhando a nomenclatura ao que realmente está na base da doença e tornando o diagnóstico e a discussão clínica mais objetivos e precisos.
Critérios diagnósticos atuais para MASLD
O diagnóstico da MASLD baseia-se na combinação de evidência de esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado) e presença de pelo menos um critério de disfunção metabólica. A abordagem foi simplificada para facilitar a identificação precoce e direcionar o tratamento.
Exames de imagem e biópsia
O primeiro passo é confirmar a presença de esteatose hepática. Isso pode ser feito por meio de exames de imagem, como ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou, em casos selecionados, biópsia hepática. Na maioria dos pacientes, a ultrassonografia é suficiente para indicar acúmulo de gordura no fígado, especialmente quando há fatores de risco metabólicos.
A biópsia hepática é reservada para situações em que há dúvidas diagnósticas, suspeita de outras doenças concomitantes ou necessidade de avaliação do grau de inflamação e fibrose hepática.
Critérios metabólicos
Além da esteatose, é obrigatório que o paciente apresente pelo menos um dos critérios de disfunção metabólica:
- IMC acima do normal (sobrepeso ou obesidade)
- Glicemia de jejum maior ou igual a 100 mg/dL ou diagnóstico de diabetes tipo 2
- Hipertensão arterial sistêmica
- Triglicerídeos elevados
- HDL (colesterol bom) reduzido
- Circunferência abdominal aumentada, de acordo com os valores de referência para sexo e etnia
Esses critérios são semelhantes aos da síndrome metabólica e estão presentes em grande parte dos pacientes com MASLD. Não é necessário documentar lesão hepática avançada para firmar o diagnóstico, nem excluir o consumo leve ou moderado de álcool, desde que este não seja o principal fator causal.
Diferença para outras doenças hepáticas
A principal diferença entre MASLD e outras hepatopatias é a origem metabólica. Nas doenças hepáticas de causa viral, autoimune, medicamentosa ou alcoólica, a abordagem e o tratamento seguem protocolos específicos e o diagnóstico não depende de critérios metabólicos.
É importante ressaltar que pacientes podem ter esteatose hepática associada a mais de uma causa. Nesses casos, a avaliação clínica detalhada é fundamental para definir a classificação correta, especialmente diante de fatores mistos como síndrome metabólica e consumo significativo de álcool.
O novo critério para MASLD simplifica a abordagem e torna o diagnóstico mais objetivo, permitindo que um maior número de pacientes em risco seja identificado precocemente e manejado de acordo com as melhores práticas atuais.
Diagnóstico diferencial
Diferenciar MASLD de outras doenças hepáticas é essencial para garantir o manejo correto do paciente e evitar diagnósticos equivocados. O principal ponto de atenção está em distinguir a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica da doença hepática alcoólica e de outras causas de hepatopatia.
MASLD versus doença hepática alcoólica
Na doença hepática alcoólica clássica, o fator causal predominante é o consumo excessivo e prolongado de álcool, independentemente da presença de disfunção metabólica. Já na MASLD, o diagnóstico é baseado na presença de esteatose hepática em pacientes com pelo menos um critério metabólico, sem necessidade de excluir completamente o consumo social de álcool, desde que ele não seja a principal causa da lesão hepática.
Para os casos em que o paciente apresenta tanto fatores metabólicos quanto consumo relevante de álcool, a nova classificação propõe o termo Met-ALD (“Metabolic dysfunction-associated Alcohol-related Liver Disease”). Essa nomenclatura reconhece que as duas causas podem coexistir e contribuir de forma sinérgica para o desenvolvimento e progressão da doença hepática. Assim, Met-ALD deve ser considerado em pacientes com esteatose hepática, critérios metabólicos e ingestão alcoólica acima dos limites geralmente aceitos como seguros.
Outras hepatopatias
Além do álcool e das causas metabólicas, outras condições podem levar ao acúmulo de gordura no fígado ou gerar alterações semelhantes, como:
- Hepatites virais crônicas (especialmente hepatite C)
- Doenças autoimunes do fígado
- Uso de medicações hepatotóxicas
- Distúrbios genéticos e doenças metabólicas raras
Nesses casos, a presença de esteatose pode ser um achado secundário, e o tratamento deve ser direcionado para a causa primária.
O diagnóstico diferencial cuidadoso, portanto, exige uma avaliação clínica detalhada, revisão dos antecedentes do paciente, investigação dos hábitos de consumo de álcool, análise dos fatores metabólicos e, quando necessário, exames laboratoriais e de imagem para excluir outras etiologias.
O conceito de MASLD, juntamente com o de Met-ALD, visa facilitar a estratificação dos pacientes, otimizar a abordagem terapêutica e padronizar os critérios de inclusão em estudos clínicos e diretrizes internacionais.
Complicações e progressão da doença
A MASLD não é uma condição benigna e pode evoluir de forma silenciosa para complicações graves. A progressão típica ocorre da esteatose simples para a fibrose hepática, podendo avançar para cirrose e até carcinoma hepatocelular. Aproximadamente 20% dos pacientes com MASLD desenvolverão fibrose significativa ao longo do tempo, principalmente se fatores de risco como diabetes, obesidade ou resistência à insulina estiverem presentes.
O risco de complicações aumenta com o acúmulo de fatores metabólicos e com o avanço da fibrose hepática. Por isso, é fundamental monitorar periodicamente esses pacientes e utilizar ferramentas não invasivas para estratificação de risco, como os scores clínicos (exemplo: FIB-4 e NAFLD fibrosis score). Esses métodos auxiliam na decisão de quando encaminhar para avaliação especializada, realizar exames complementares ou considerar biópsia hepática.
Além das complicações hepáticas, pacientes com MASLD têm risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares, síndrome metabólica e eventos relacionados à aterosclerose, reforçando a importância de uma abordagem multidisciplinar e do controle rigoroso dos fatores de risco.
Tratamento e abordagem clínica
O tratamento da MASLD é baseado principalmente em mudanças no estilo de vida e no controle dos fatores de risco metabólicos. A meta inicial deve ser a perda de peso, idealmente de 7 a 10% do peso corporal, o que já pode resultar em melhora significativa da esteatose hepática e até regressão da fibrose em alguns casos.
Além da dieta equilibrada e do aumento da atividade física, o controle de comorbidades como diabetes, hipertensão e dislipidemia é fundamental. Recentemente, medicamentos como os agonistas do GLP-1 (por exemplo, semaglutida e liraglutida) têm demonstrado benefícios tanto na perda de peso quanto na redução da gordura hepática, tornando-se opções terapêuticas adjuvantes em casos selecionados.
Até o momento, não existe medicação específica aprovada para MASLD, sendo o enfoque a prevenção da progressão da doença e o manejo das complicações associadas. O acompanhamento regular permite reavaliação da resposta ao tratamento e detecção precoce de possíveis desfechos adversos, como fibrose avançada ou carcinoma hepatocelular.
Questão clínica comentada
No contexto da prova de residência, questões sobre MASLD frequentemente exploram a nova nomenclatura, os critérios diagnósticos e a diferenciação em relação a outras doenças hepáticas. O vídeo traz como exemplo um paciente de meia-idade, hipertenso, pré-diabético, com sobrepeso e alteração de exames hepáticos, mas sem consumo relevante de álcool. Nesse cenário, a alternativa correta é MASLD, e não mais NAFLD, NASH ou esteatose hepática simples.
A chave para resolver esse tipo de questão está em identificar a presença de esteatose por exame de imagem, associada a pelo menos um critério metabólico. Também é importante saber reconhecer situações de diagnóstico diferencial, especialmente diante do consumo de álcool ou de outras possíveis causas para a alteração hepática.
Com isso, concluimos que…
A atualização da nomenclatura de NAFLD/NASH para MASLD representa um avanço importante no entendimento e na abordagem das doenças hepáticas associadas à síndrome metabólica. Ao adotar critérios diagnósticos mais objetivos e um foco maior na fisiopatologia metabólica, a nova classificação facilita o reconhecimento precoce dos pacientes em risco, direciona condutas clínicas e padroniza o conteúdo cobrado nas provas de residência médica.
O diagnóstico diferencial preciso, a vigilância para complicações e a ênfase na mudança do estilo de vida continuam sendo os pilares do manejo, enquanto novas opções terapêuticas vêm ampliando o arsenal dos profissionais de saúde. Estar atualizado com as diretrizes internacionais é fundamental tanto para a prática clínica quanto para o sucesso em processos seletivos na área médica.
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