A formação médica no Brasil pode estar prestes a passar por uma de suas maiores transformações. A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei 785/2024, que cria o Exame Nacional de Proficiência em Medicina (ENPM). Na prática, isso significa que médicos recém-formados só poderão exercer a profissão após aprovação em uma avaliação nacional padronizada.
Mas o que está em jogo vai além de um simples exame. A proposta reacende debates sobre a qualidade do ensino médico, os critérios de avaliação da formação profissional e os caminhos futuros da saúde pública no país.
Uma nova etapa entre diploma e CRM
De acordo com o projeto, mesmo após concluir os seis anos de graduação em Medicina, o estudante precisará ser aprovado no ENPM para obter o registro junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e, assim, estar legalmente habilitado para atender pacientes.
A avaliação será desenvolvida por uma instituição pública de ensino superior, indicada pelo Ministério da Educação (MEC), e deverá seguir parâmetros claros: medir competências clínicas, habilidades técnicas e raciocínio médico, com base nas diretrizes curriculares nacionais.
Além disso, o exame poderá ser aplicado em etapas ao longo do curso, e exigirá aproveitamento mínimo de 60%. A proposta também determina que a responsabilidade pela regulamentação caberá ao Conselho Federal de Medicina (CFM).
ENPM: reflexo de um sistema em expansão
Nos últimos 15 anos, o Brasil viu um crescimento acelerado no número de faculdades de Medicina, muitas delas abertas sem estrutura adequada de ensino, pesquisa ou estágio. Esse crescimento gerou uma heterogeneidade profunda na formação dos alunos.
O ENPM surge como uma possível resposta a esse cenário. Seus defensores argumentam que a avaliação nacional permitirá nivelar o conhecimento técnico de formandos, reduzir riscos para o paciente e estimular melhorias no ensino universitário.
Além disso, muitos países já adotam avaliações semelhantes, como o USMLE (EUA), PLAB (Reino Unido) e MCCQE (Canadá) — exames que buscam garantir a qualidade mínima de atuação profissional.
Resistência e tensões
A proposta, no entanto, também levanta preocupações legítimas entre estudantes, professores e gestores educacionais. Uma das críticas mais contundentes é que a criação do exame não resolve os problemas estruturais do ensino, apenas transfere a responsabilidade ao aluno.
Outros pontos em debate:
- Impacto psicológico: o exame acrescenta mais pressão a um curso já marcado por altos índices de estresse e ansiedade;
- Desigualdade de condições: estudantes de instituições menos favorecidas podem ter menos recursos para se preparar;
- Acesso ao mercado de trabalho: a exigência pode atrasar o início da carreira, especialmente em regiões com carência de profissionais.
Além disso, ainda não há informações detalhadas sobre o formato da prova, conteúdo programático ou possibilidade de recursos em caso de reprovação.
O que você, estudante ou educador, deve observar?
Para os estudantes, especialmente os que estão nos anos finais da graduação, o momento exige atenção redobrada. Embora a proposta ainda precise ser aprovada em plenário, seguir sua tramitação e compreender seu impacto é essencial.
Já para instituições de ensino e professores, o ENPM impõe um desafio pedagógico: preparar os alunos para além das provas tradicionais, incentivando uma formação crítica, integrada e voltada para a prática clínica real.
É importante ressaltar que o projeto prevê isenção da obrigatoriedade para quem já estiver matriculado antes da lei entrar em vigor, caso ela seja aprovada e sancionada.
E o Revalida? Como se conecta?
Embora o ENPM e o Revalida tenham públicos distintos, ambos compartilham o mesmo princípio: a validação formal de competências médicas antes do início da prática profissional no Brasil.
Nesse sentido, o novo exame pode reforçar ainda mais a cultura de avaliação nacional obrigatória, indicando um movimento mais rígido em relação à responsabilidade médica e à qualidade assistencial.
Considerações finais
A proposta do Exame Nacional de Proficiência em Medicina traz à tona uma discussão importante: o que realmente significa estar apto para exercer a Medicina?. A resposta envolve mais do que um diploma — requer preparo técnico, compromisso ético e maturidade clínica.
Se aprovado, o ENPM marcará uma nova fase na trajetória de formação médica no país. Para estudantes e educadores, o desafio será alinhar ensino, avaliação e prática com um único objetivo: formar profissionais capazes de transformar a saúde com excelência.