Vertigem no Pronto-Socorro: Como Diferenciar VPPB, Neurite Vestibular e AVC

Vertigem no PS: Diferencie VPPB, AVC e Neurite Vestibular
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A vertigem é uma das queixas mais frequentes nos serviços de emergência, representando até 5% das consultas no pronto-socorro. Embora muitas vezes associada a causas benignas, como a vertigem posicional paroxística benigna (VPPB), esse sintoma pode, em alguns casos, indicar condições potencialmente graves, como um acidente vascular cerebral (AVC) de circulação posterior. Justamente por isso, a abordagem correta da vertigem no pronto socorro é um dos maiores desafios tanto na prática clínica quanto nas provas de residência médica.

Um dos principais erros cometidos por médicos em formação e até mesmo por profissionais experientes é confiar exclusivamente em exames de imagem para fechar o diagnóstico. A realidade é que, na maioria dos casos, o exame físico bem conduzido — especialmente com o uso de ferramentas como o HINTS — é mais sensível para diferenciar causas centrais e periféricas de vertigem.

Neste artigo, você vai entender como classificar a vertigem com base na apresentação clínica, quais são os principais diagnósticos diferenciais e, principalmente, como tomar decisões rápidas e precisas no contexto da emergência. O conteúdo é baseado no episódio 17 do Medtask Pills, que você pode assistir logo abaixo. Trata-se de um guia prático e direto ao ponto, pensado para quem está se preparando para as provas de residência e para quem atua no pronto atendimento.

O Desafio Diagnóstico da Vertigem

Ao se deparar com um paciente com queixa de tontura ou vertigem no pronto-socorro, a primeira barreira é conceitual: nem toda tontura é vertigem, e nem toda vertigem é uma emergência neurológica. O desafio começa na definição clínica dos termos e se estende até o raciocínio diagnóstico diante de situações muitas vezes ambíguas.

A confusão é compreensível. Muitos pacientes relatam “tontura”, mas estão se referindo a uma sensação de desequilíbrio, pré-síncope ou mal-estar vago — sintomas que podem ter origens cardiovasculares, neurológicas, metabólicas ou psiquiátricas. Já a vertigem, por definição, é a ilusão de movimento rotatório, normalmente associada a causas vestibulares periféricas ou centrais.

Do ponto de vista do médico plantonista, o maior risco é subestimar uma vertigem de origem central, como ocorre nos AVCs de circulação posterior. Estudos mostram que até 90% dos Acidentes Isquêmicos Transitórios (AITs) nessa região passam despercebidos na primeira avaliação, especialmente quando não há sinais neurológicos evidentes.

Outro problema recorrente é a dependência excessiva de exames de imagem. A tomografia de crânio, frequentemente solicitada de forma automática, possui sensibilidade extremamente baixa para AVC de fossa posterior nas primeiras horas de sintomas. Isso leva a falsos negativos e atrasos no tratamento.

É nesse cenário que o exame clínico, bem executado, assume papel central. Classificar a vertigem com base no padrão temporal, identificar sinais de alerta clínicos e aplicar ferramentas como o exame HINTS são estratégias essenciais para uma avaliação eficiente, segura e — acima de tudo — baseada em evidência.

Vertigem no Pronto-Socorro: Classificação Temporal

Diante de um paciente com vertigem no pronto-socorro, tentar identificar a causa com base apenas na descrição subjetiva dos sintomas pode levar a erros diagnósticos. Por isso, uma das estratégias mais eficazes para organizar o raciocínio clínico é a classificação temporal da vertigem, que agrupa os casos com base no padrão de apresentação e na duração dos episódios.

Essa abordagem ajuda a reduzir a ambiguidade do relato do paciente e direciona o exame físico e os próximos passos da investigação. A seguir, os principais padrões temporais:

1. Episódio único, súbito e prolongado

É o paciente que refere início abrupto dos sintomas, que se mantêm contínuos por horas ou dias. Neste caso, as duas principais hipóteses são:

  • Neurite vestibular (origem periférica)
  • AVC de circulação posterior (origem central)

Aqui, o exame clínico, especialmente o teste HINTS, é essencial para diferenciar essas duas condições.

2. Episódios recorrentes, espontâneos e breves

Quando o paciente relata crises repetidas de vertigem, com duração de minutos a horas e sem relação com movimentos específicos da cabeça, devemos considerar:

  • Doença de Ménière
  • Migrânea vestibular
  • Paroxismia vestibular

Essas condições costumam exigir uma investigação mais ampla, que envolve histórico detalhado e avaliação otoneurológica.

3. Vertigem desencadeada por movimento (posicional)

Crises curtas de vertigem desencadeadas por mudanças na posição da cabeça, como virar na cama ou olhar para cima, sugerem fortemente:

  • Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB)

Este é o quadro mais comum na prática clínica e um dos mais prevalentes em provas de residência médica. O diagnóstico pode ser feito com a manobra de Dix-Hallpike, e o tratamento com a manobra de Epley.

4. Vertigem crônica associada a desequilíbrio

Vertigem leve porém persistente, associada a instabilidade postural e desequilíbrio, pode ter causas mais complexas:

  • Doenças neurodegenerativas (como Parkinson)
  • Ataxias cerebelares
  • Déficit vestibular crônico

Esses quadros raramente são tratados no pronto-socorro, mas devem ser reconhecidos e encaminhados adequadamente.

VPPB: O Diagnóstico Mais Comum (e o Mais Subestimado)

A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) é, disparadamente, a principal causa de vertigem atendida no pronto-socorro. Apesar disso, ainda é frequentemente subdiagnosticada ou confundida com outras etiologias mais graves, o que leva à solicitação desnecessária de exames de imagem e ao uso inadequado de medicações sintomáticas.

A VPPB é causada pelo deslocamento de otólitos (pequenos cristais de carbonato de cálcio) para os canais semicirculares do ouvido interno, mais comumente o canal posterior. Esse deslocamento interfere na percepção de movimento e provoca episódios de vertigem rotatória desencadeados por movimentos específicos da cabeça, como deitar, levantar ou olhar para cima.

1. Quadro clínico típico

  • Início súbito
  • Duração de segundos a poucos minutos
  • Desencadeado por movimento
  • Ausência de sintomas auditivos ou neurológicos
  • Ausência de instabilidade prolongada entre os episódios

Por ser uma vertigem posicional, o diagnóstico pode ser feito com um exame simples, que não exige nenhum recurso além da habilidade clínica.

2. Manobra de Dix-Hallpike: Diagnóstico com o exame físico

A manobra de Dix-Hallpike é o padrão-ouro para o diagnóstico de VPPB. Nela, o examinador move rapidamente a cabeça do paciente para uma posição que estimule o canal semicircular envolvido e observa a presença de nistagmo característico: um nistagmo rotatório, com latência de poucos segundos e que se esgota espontaneamente.

A resposta positiva da manobra não só confirma o diagnóstico, como também ajuda a determinar qual lado está acometido.

3. Manobra de Epley: Tratamento imediato no consultório

Uma vez feito o diagnóstico, a manobra de Epley pode ser realizada na hora, no próprio consultório ou leito do PS. Essa técnica reposiciona os otólitos para o utrículo, aliviando os sintomas.

A eficácia da manobra é alta e o alívio costuma ser imediato ou ocorrer dentro de poucos dias. Em alguns casos, pode ser necessário repetir o procedimento.

4. Importância na prática e nas provas

Saber diagnosticar e tratar a VPPB é uma habilidade fundamental tanto para a rotina de plantão quanto para provas de residência médica, onde o tema é recorrente. O uso racional do exame físico, associado à compreensão dos padrões clínicos, elimina a necessidade de exames de imagem na grande maioria dos casos.

Neurite Vestibular vs AVC: O Dilema Perigoso

Dentre os quadros de vertigem aguda e prolongada, o maior desafio clínico está na diferenciação entre neurite vestibular — uma condição autolimitada e benigna — e o acidente vascular cerebral (AVC) de circulação posterior, que pode ser fatal se não reconhecido e tratado a tempo.

Ambos os quadros podem se apresentar de forma semelhante: com início súbito, tontura intensa, náuseas, vômitos e sem necessariamente apresentar déficits motores evidentes. É justamente essa semelhança que torna o diagnóstico difícil e perigoso quando baseado apenas em sintomas inespecíficos ou quando se confia exclusivamente em exames de imagem.

1. Neurite vestibular: quando suspeitar

A neurite vestibular é uma inflamação do nervo vestibular, geralmente de causa viral, que afeta o labirinto unilateralmente. Suas principais características incluem:

  • Vertigem contínua, de forte intensidade, iniciada há algumas horas
  • Ausência de sintomas auditivos (zumbido, hipoacusia)
  • Sem outros déficits neurológicos
  • Exame clínico sugestivo (veremos no próximo tópico)

O quadro costuma melhorar espontaneamente em dias a semanas, e o tratamento é sintomático, com antieméticos e reabilitação vestibular.

2. AVC de circulação posterior: o diagnóstico que não pode falhar

O AVC da fossa posterior, especialmente em áreas como o cerebelo e tronco encefálico, pode se manifestar apenas com vertigem em sua fase inicial. Sinais de alerta incluem:

  • Dificuldade para manter o equilíbrio (não consegue ficar em pé ou andar)
  • Presença de outros sintomas neurológicos (diplopia, disartria, paresias)
  • Hipoacusia súbita associada
  • História prévia de AIT, hipertensão, diabetes ou fatores de risco cardiovascular
  • Exame físico com achados sugestivos de origem central

O grande problema é que a tomografia de crânio realizada nas primeiras horas tem baixa sensibilidade para lesões em fossa posterior, o que pode gerar uma falsa sensação de segurança.

3. O perigo da intuição errada

Um erro frequente, tanto em plantões quanto em provas, é considerar o reflexo vestíbulo-ocular alterado como sinal de gravidade. Na verdade, o reflexo alterado indica lesão periférica — o que favorece o diagnóstico de neurite vestibular.

Já nos AVCs, o reflexo tende a estar preservado, o que paradoxalmente representa um maior risco.

Por isso, é fundamental contar com exames clínicos específicos que ajudam a orientar o diagnóstico com mais segurança — o principal deles é o exame HINTS, que abordaremos a seguir.

O Exame HINTS: Simples, Eficaz e Subutilizado

O exame HINTS (acrônimo para Head-Impulse, Nystagmus, Test of Skew) é uma ferramenta clínica desenvolvida para diferenciar vertigem de origem periférica (como a neurite vestibular) de causas centrais (como o AVC de circulação posterior) em pacientes com síndrome vestibular aguda — ou seja, vertigem contínua, de início súbito e associada a náuseas, vômitos e instabilidade.

Apesar de sua alta sensibilidade — superior à da tomografia nas primeiras 48 horas — o HINTS ainda é pouco utilizado na prática clínica, muitas vezes por desconhecimento ou insegurança na execução. No entanto, quando aplicado corretamente, é um dos instrumentos mais valiosos no pronto-socorro.

1. Head-Impulse Test (HIT)

Avalia o reflexo vestíbulo-ocular (VOR).

  • Alterado (olho não consegue manter o foco): indica lesão periférica
  • Normal (olho fixa o ponto durante o movimento): sugere origem central (potencial AVC)

Este é um dos pontos mais contraintuitivos do HINTS, e motivo de erro frequente: o reflexo preservado é sinal de alerta, não de normalidade.

2. Nistagmo

Observa-se a direção do nistagmo com o olhar em repouso e nas lateralizações.

  • Unidirecional, horizonto-rotatório: típico de vertigem periférica
  • Bidirecional, vertical, ou que muda de direção com o olhar: indica provável origem central

3. Test of Skew (Desvio do olhar)

Teste de desalinhamento ocular vertical com cobertura alternada dos olhos.

  • Sem desvio ocular: comum em neurite vestibular
  • Desvio vertical (skew deviation): sugestivo de disfunção central (tronco encefálico)

4. Interpretação prática do HINTS

  • HINTS periférico (benigno):
    • Head-Impulse alterado
    • Nistagmo unidirecional
    • Test of Skew negativo
  • HINTS central (suspeita de AVC):
    • Head-Impulse normal
    • Nistagmo multidirecional ou vertical
    • Test of Skew positivo

Se qualquer um dos três testes apontar para centralidade, deve-se considerar o quadro como suspeito de AVC até prova em contrário.

A incorporação do HINTS na rotina do pronto-socorro pode mudar radicalmente a acurácia diagnóstica da vertigem. Ele exige treinamento, mas é rápido, não invasivo e acessível a qualquer médico clínico. Para quem vai prestar residência, entender o HINTS é essencial — tanto para a prova quanto para a prática.

Casos de Prova e Erros Comuns

Nas provas de residência médica, as questões sobre vertigem costumam ser pegadinhas disfarçadas de clínica geral. O tema frequentemente envolve uma vinheta clínica longa, com múltiplos dados aparentemente sutis, exigindo que o candidato saiba priorizar o exame físico em vez de confiar cegamente em exames complementares.

No episódio do Medtask Pills, foi discutido um caso clássico que ilustra bem como esses temas são cobrados nas provas — e como pequenos detalhes fazem a diferença na escolha da alternativa correta.

1. O caso: vertigem aguda e intensa

Uma mulher de 58 anos procura o pronto-socorro com queixa de vertigem rotatória intensa, de início súbito e contínua há cerca de 4 horas. Relata náuseas e vômitos, zumbido no ouvido direito, mas nega perda auditiva. O exame físico mostra:

  • Nistagmo horizontal, com fase rápida para a esquerda
  • Reflexo vestíbulo-ocular alterado
  • Test of Skew negativo

Esses achados, quando corretamente interpretados, formam um HINTS periférico, altamente sugestivo de neurite vestibular.

A questão, no entanto, apresenta alternativas que testam o conhecimento clínico de forma indireta:

  • Iniciar trombólise após tomografia (erro comum por pensar em AVC sem análise do exame físico)
  • Fazer manobra de Epley (confusão com VPPB)
  • Avaliação cardiológica por suspeita de arritmia (diagnóstico deslocado)
  • Prescrever antivertiginosos e iniciar reabilitação vestibular (resposta correta)

2. O erro mais comum: interpretar VOR alterado como sinal de AVC

Esse é o erro clássico tanto nas provas quanto no pronto-socorro: ao ver o reflexo vestibulo-ocular alterado, o candidato supõe gravidade. No entanto, como vimos, esse é o padrão esperado na neurite vestibular, e indica lesão periférica.

3. Como evitar essas armadilhas

  • Leia a descrição clínica com atenção ao tempo de duração dos sintomas
  • Classifique o padrão temporal antes de pensar em etiologia
  • Foque nos achados do exame físico (nistagmo, VOR, skew)
  • Lembre-se de que imagem negativa não exclui AVC de fossa posterior
  • Se o exame clínico fecha com neurite vestibular, não há indicação de imagem urgente

Dominar esses pontos não apenas aumenta sua chance de acertar uma questão na prova, como também melhora significativamente a sua tomada de decisão em plantões reais.

Conclusão: Estratégia Prática para o Plantão e para a Prova

A vertigem é um tema clássico e desafiador, tanto nas provas de residência quanto na prática de pronto-socorro. A dificuldade está menos em sua complexidade e mais na necessidade de raciocínio clínico objetivo, pautado em exame físico, padrão temporal e interpretação correta dos sinais.

Muitos erros diagnósticos e condutas desnecessárias, como tomografias em excesso e prescrições equivocadas, poderiam ser evitados com uma abordagem sistematizada e bem treinada. O exame HINTS, a classificação temporal da vertigem e o domínio das manobras diagnósticas e terapêuticas são ferramentas indispensáveis para qualquer médico que atenda pacientes com essa queixa.

Abaixo, um checklist prático para orientar sua conduta:

Checklist de Avaliação de Vertigem no PS:

  • O episódio é único e prolongado, ou recorrente e breve?
  • A vertigem é espontânea ou posicional?
  • Há sintomas auditivos (zumbido, hipoacusia)?
  • O paciente consegue caminhar ou manter-se em pé?
  • Há outros déficits neurológicos associados?
  • A manobra de Dix-Hallpike é positiva?
  • O exame HINTS é compatível com origem periférica ou central?

Responder essas perguntas antes de solicitar exames complementares pode fazer a diferença entre um atendimento resolutivo e uma conduta imprecisa. Para o candidato à residência, esse domínio representa pontos valiosos em provas discursivas e múltipla escolha.

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