A infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter é uma das complicações infecciosas mais frequentes e relevantes no ambiente hospitalar, especialmente em pacientes críticos ou imunossuprimidos. Essa condição representa não apenas um desafio diagnóstico e terapêutico para equipes médicas, mas também um dos temas mais recorrentes nas provas de residência médica, figurando entre os tópicos clássicos de clínica médica e terapia intensiva.
A alta incidência desse tipo de infecção se deve à ampla utilização de cateteres venosos centrais em diversas situações clínicas, seja para administração de quimioterapia, suporte hemodinâmico, nutrição parenteral ou hemodiálise. Por seu impacto direto na morbimortalidade hospitalar e nos custos de internação, a abordagem correta das infecções relacionadas a cateter é uma competência essencial para médicos em formação.
Apesar de não ser um guideline novo, o protocolo mais recente sobre o tema ainda é a principal referência para a tomada de decisão na prática diária e nas questões de residência. Este artigo tem como objetivo resumir os principais conceitos, critérios diagnósticos e condutas baseadas nas diretrizes atuais, facilitando a revisão para quem busca atualização rápida e eficaz.
Definição e quadro clínico
A infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter (ICSR-C) ocorre quando micro-organismos colonizam o interior ou o exterior de um cateter venoso, levando à entrada de bactérias ou fungos na circulação sanguínea do paciente. Esse tipo de infecção pode se manifestar tanto em cateteres de curta quanto de longa permanência, sendo uma importante causa de sepse hospitalar.
O quadro clínico clássico envolve sinais e sintomas como febre, calafrios e, em alguns casos, hipotensão sem outra fonte infecciosa evidente. Em pacientes com cateter de diálise, pode haver piora dos sintomas logo após a manipulação do dispositivo. Alterações laboratoriais, como leucocitose e elevação da proteína C reativa (PCR), também costumam estar presentes.
É importante destacar que as manifestações clínicas podem ser variadas. Nem sempre há sinais inflamatórios visíveis no local de inserção do cateter, o que torna o diagnóstico dependente de uma suspeição clínica elevada, especialmente em pacientes críticos ou imunossuprimidos.
Em muitos casos, a presença de um cateter é suficiente para que qualquer quadro febril ou piora infecciosa seja inicialmente atribuído ao dispositivo, até que se prove o contrário. Essa abordagem prática é fundamental para evitar atrasos no diagnóstico e tratamento, reduzindo o risco de complicações graves.
Diagnóstico da infecção associada a cateter
O diagnóstico da infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter (ICSR-C) exige uma combinação de suspeita clínica, avaliação laboratorial e confirmação microbiológica. O primeiro passo é reconhecer um quadro compatível: paciente com cateter venoso apresentando febre, calafrios, sinais de sepse ou piora inexplicada do estado clínico, especialmente na ausência de outros focos infecciosos aparentes.
Para a confirmação, a coleta adequada das hemoculturas é fundamental. A recomendação das diretrizes mais recentes é coletar dois pares de hemoculturas periféricas (preferencialmente de locais diferentes) e, sempre que possível, um par de hemoculturas do lume do cateter suspeito.
A infecção é considerada relacionada ao cateter quando ocorre pelo menos um dos seguintes critérios:
- Tempo de positividade: a hemocultura do cateter se torna positiva pelo menos duas horas antes das amostras periféricas.
- Unidades formadoras de colônia (UFC): a amostra do cateter apresenta, pelo menos, três vezes mais UFC do que a amostra periférica para o mesmo micro-organismo.
Esses critérios ajudam a diferenciar uma bacteremia transitória, por exemplo, de uma infecção verdadeiramente relacionada ao cateter. Vale lembrar que em pacientes com outros focos infecciosos identificados (como pneumonia, infecção urinária ou de pele), a correlação entre clínica, culturas e o uso do cateter deve ser cuidadosamente analisada antes de se concluir pelo diagnóstico de ICSR-C.
O diagnóstico correto é fundamental, pois influencia diretamente na decisão de retirar ou não o cateter e no tipo de terapia antimicrobiana a ser iniciada.
Diferenças entre cateter de curta e longa permanência
A abordagem das infecções relacionadas a cateter depende diretamente do tipo de dispositivo utilizado pelo paciente. Os cateteres podem ser classificados, de forma geral, em curta e longa permanência, cada um com características próprias que influenciam tanto o risco quanto o manejo das complicações infecciosas.
Os cateteres de curta permanência são aqueles utilizados por períodos limitados, geralmente em situações agudas, como em internações hospitalares, unidades de terapia intensiva ou para acesso venoso central temporário. Por não possuírem barreiras anatômicas específicas, uma colonização do óstio pode rapidamente evoluir para infecção da corrente sanguínea.
Já os cateteres de longa permanência, como port-a-cath, permcath ou cateter tunelizado, são indicados para terapias prolongadas (quimioterapia, hemodiálise crônica, nutrição parenteral), sendo inseridos com técnicas que envolvem a criação de um túnel subcutâneo. Nesses casos, a presença do cuff (pequeno balão fibroso) atua como barreira para a migração bacteriana, dificultando a progressão de uma infecção superficial para a corrente sanguínea.
Na prática clínica, essa diferença anatômica tem grande impacto:
- Cateter de curta permanência: Diante da suspeita de infecção, a tendência é pela retirada precoce do dispositivo.
- Cateter de longa permanência: Em geral, busca-se preservar o cateter sempre que possível, salvo em situações específicas (como instabilidade hemodinâmica, tunelite, refratariedade ao tratamento ou infecção por micro-organismos de difícil erradicação).
Reconhecer essas diferenças é essencial para a tomada de decisão clínica e é frequentemente cobrado em provas de residência médica, especialmente quando se discute o momento adequado de retirar ou manter um cateter.
Indicações para retirada do cateter
Decidir quando retirar o cateter é uma das etapas mais importantes no manejo da infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter. A conduta varia de acordo com o tipo de cateter, o perfil clínico do paciente e, principalmente, a presença de critérios que aumentam o risco de complicações graves.
De modo geral, as principais indicações para retirada imediata do cateter são:
- Instabilidade hemodinâmica: paciente em choque séptico ou com necessidade crescente de drogas vasoativas.
- Evidência de embolização séptica: sinais de sepse com focos à distância (como endocardite, endoftalmite, abscessos ou espondilodiscite).
- Tunelite: infecção do túnel subcutâneo em cateteres de longa permanência, caracterizada por dor, hiperemia e edema no trajeto do cateter.
- Refratariedade ao tratamento: persistência de febre ou bacteremia após 72 horas de antibiótico adequado.
- Pacientes imunossuprimidos ou com próteses: maior risco de infecção persistente e complicações.
- Critérios microbiológicos específicos: presença de agentes de difícil erradicação, como Staphylococcus aureus, Candida spp., Pseudomonas aeruginosa ou enterococos multirresistentes.
No caso dos cateteres de curta permanência, a recomendação costuma ser pela retirada precoce diante da suspeita clínica, salvo raras exceções (exemplo: ausência de acesso venoso alternativo em paciente crítico).
Para cateteres de longa permanência, busca-se preservar o dispositivo quando possível, desde que não haja as indicações acima. Porém, uma vez estabelecida tunelite, refratariedade, infecção por “bicho grudento” ou instabilidade clínica, a retirada se torna mandatória para controle do quadro infeccioso.
Essa decisão deve sempre considerar o contexto do paciente e ser acompanhada de reavaliação frequente durante o tratamento.
Conduta antibiótica empírica
O início rápido da antibióticoterapia é um dos pilares no manejo das infecções de corrente sanguínea relacionadas a cateter, especialmente em pacientes com sinais de sepse. O objetivo é garantir cobertura adequada para os principais patógenos envolvidos, enquanto se aguarda o resultado das culturas e a definição exata do agente etiológico.
De acordo com os guidelines mais recentes, a conduta empírica deve incluir agentes que atuem contra:
- Bactérias gram-positivas, especialmente Staphylococcus aureus (incluindo MRSA)
- Bactérias gram-negativas, incluindo Pseudomonas aeruginosa em situações de maior risco (pacientes imunossuprimidos, neutropênicos, longa permanência hospitalar ou flora hospitalar com alta incidência desse agente)
O esquema mais utilizado na prática clínica inclui a associação de:
- Vancomicina (cobrindo gram-positivos resistentes)
- Ceftazidima, cefepima ou outro beta-lactâmico de amplo espectro (cobrindo gram-negativos, incluindo Pseudomonas)
A escolha final pode ser ajustada conforme protocolos locais e perfis de resistência bacteriana do hospital. Assim que os resultados das culturas estiverem disponíveis, é fundamental revisar o tratamento, otimizando a escolha do antibiótico e reduzindo a exposição a agentes de amplo espectro quando possível.
O início precoce do antibiótico não deve ser adiado para aguardar confirmação laboratorial, especialmente em pacientes com sinais de gravidade. O ajuste da dose conforme função renal e a monitorização de possíveis efeitos adversos também são essenciais para a segurança do paciente.
Conduta prática nas principais situações clínicas
Na rotina hospitalar, o manejo da infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter exige decisões rápidas e personalizadas, baseadas no tipo de cateter, na estabilidade clínica do paciente e no agente infeccioso suspeito ou confirmado. A seguir, estão os principais cenários práticos e as condutas recomendadas segundo os guidelines atuais:
Cateter de longa permanência sem critérios claros para retirada
Se o paciente está estável, sem sinais de tunelite, embolização séptica ou agentes de difícil erradicação nas culturas, o ideal é manter o cateter e iniciar a antibióticoterapia empírica adequada. O cateter deve ser reavaliado frequentemente. Caso haja resposta clínica e negativação das hemoculturas, é possível manter o dispositivo.
Situações que exigem retirada imediata
Quando o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica, tunelite, sepse com focos à distância, persistência da bacteremia após 72 horas de tratamento adequado ou infecção por Staphylococcus aureus, Candida spp., Pseudomonas aeruginosa ou enterococos multirresistentes, a retirada do cateter é mandatória. Essa medida visa erradicação da infecção e prevenção de complicações potencialmente fatais.
Casos em que a retirada do cateter pode ser postergada
Há situações excepcionais em que a retirada imediata do cateter não é possível, como em pacientes com acesso venoso extremamente difícil. Nestes casos, deve-se monitorar cuidadosamente a evolução clínica e laboratorial, mantendo uma vigilância rigorosa para sinais de agravamento.
Exemplos práticos e simulações de prova
É comum que as provas de residência apresentem casos clínicos que exploram a diferença de abordagem entre os tipos de cateter e os critérios de retirada. Saber diferenciar esses cenários e identificar rapidamente quando a retirada é obrigatória é essencial para acertar questões e tomar decisões assertivas na prática.
Resumo esquemático para provas de residência
Para facilitar a revisão e auxiliar na resolução de questões, segue um resumo prático com os principais pontos cobrados sobre infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter (ICSR-C):
Principais indicações de retirada do cateter
- Instabilidade hemodinâmica (choque séptico)
- Tunelite (infecção do túnel subcutâneo)
- Embolização séptica (focos infecciosos à distância)
- Refratariedade ao tratamento (febre ou bacteremia persistentes após 72 horas)
- Infecção por micro-organismos de difícil erradicação:
- Staphylococcus aureus
- Candida spp.
- Pseudomonas aeruginosa
- Enterococos multirresistentes
- Pacientes imunossuprimidos ou com próteses
Diferenças entre cateteres
- Curta permanência: suspeitou de infecção, deve retirar, salvo exceções muito específicas.
- Longa permanência: tentar preservar, exceto nos casos acima.
Diagnóstico
- Quadro clínico sugestivo + hemoculturas de sangue periférico e do cateter
- Critério microbiológico: tempo de positividade (>2 horas antes no cateter) ou número de unidades formadoras de colônias (≥3x no cateter)
Antibióticoterapia empírica inicial
- Vancomicina + ceftazidima (ou outro beta-lactâmico de amplo espectro)
- Ajustar de acordo com culturas e perfil microbiológico do hospital
Dicas para a prova
- Sempre busque as alternativas que abordam critérios objetivos para retirada do cateter.
- Lembre-se de que agentes “grudentos” ou multirresistentes quase sempre obrigam retirada.
- Nas questões, avalie estabilidade clínica, presença de tunelite e agente isolado.
Ter esse checklist mental aumenta as chances de sucesso tanto na prática quanto nas avaliações.
Aprendemos que…
A infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter permanece como um desafio relevante no ambiente hospitalar, com impacto direto na morbimortalidade de pacientes críticos e imunossuprimidos. Dominar os critérios de diagnóstico, saber quando retirar ou preservar o cateter e iniciar rapidamente a antibióticoterapia adequada são passos fundamentais tanto para o sucesso clínico quanto para um bom desempenho em provas de residência médica.
O tema é recorrente em bancas e exige atenção aos detalhes, especialmente às diferenças entre cateteres de curta e longa permanência, indicações para retirada do dispositivo e cobertura antimicrobiana inicial. A atualização constante com base nos guidelines mais recentes garante uma abordagem mais segura, resolutiva e alinhada às melhores práticas.
Para quem está se preparando para a residência médica, revisar de forma sistematizada os principais pontos sobre infecções associadas a cateter é essencial, pois trata-se de um assunto que frequentemente faz diferença na aprovação.
Prepare-se para a residência médica com a Medtask
Quer aprofundar seu conhecimento nos temas que realmente caem nas provas de residência médica? Conheça o Curso Extensivo R1 da Medtask e tenha acesso a:
- Aulas atualizadas com professores experientes e linguagem direta
- Trilhas de estudo personalizadas e simulados
- Questões inéditas e comentadas
- Flashcards, dashboards e inteligência artificial para otimizar sua preparação
Invista em uma preparação completa e conquiste sua vaga.
Acesse: medtask.com.br/#/extensivo